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domingo, 4 de junho de 2017

O edifício setubalense da Casa dos Pescadores 

Quatro anos depois de ser implantada a República em Portugal, Setúbal viria a inaugurar um belo edifício de referência na cidade, com três andares, naquele que hoje é conhecido por Largo José Afonso, graças ao esforço e dedicação de pescadores e “embarcadiços”. 

O edifício dos “Trabalhadores do Mar” inaugurado no ano de 1914 viria a ser expropriado pelo Estado Novo que atribuiu àquela casa a designação que ainda hoje ostenta no seu alçado principal “Casa dos Pescadores”. 

Foi o trabalho e dedicação de homens valentes e lutadores que levou de vencida este projeto, sendo de destacar João da Boa-Viagem, operário conserveiro que ali fez nascer logo nos primeiros tempos do seu funcionamento a escola para as crianças filhas de marítimos. 

Outra pessoa a quem se deve este belo projeto é aquele que ficou conhecido pelo “homem da boca cerrada”. Trata-se de Jaime Rebelo, pescador e líder da grande greve dos pescadores ocorrida em 1931. Este foi o homem que cortou a sua própria língua para não ceder à tortura dos terríveis carcereiros da polícia política, a famosa e de má memória PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). 

O edifício serviu muitos milhares de crianças que ali fizeram os quatro anos de estudos básicos, tendo também sido utilizado na vertente de escola de pesca para os rapazes que se iniciaram nas lides do mar e de escola de costura para as prendadas meninas que geralmente não foram parar às fábricas de conservas de peixe. 

No Inverno era comum ser servido às crianças que ali estudavam o mal cheiroso óleo de fígado de bacalhau, que funcionava como arma contra o raquitismo. Era então ver as crianças formadas em fila, na cantina, de boca aberta. Uma funcionária despejava na colher o óleo que todos tinham de engolir, gostassem ou não. 

Passados muitos anos, já no início do século XXI aquando de obras levadas a cabo no edifício foram encontradas algumas caixas com frascos de óleo sob o soalho da cantina, vamos lá nós saber o porquê. Um desses frascos encontra-se exposto na Mercearia pedagógica (do César) sita no popularmente conhecido Largo da Fonte Nova. 

A par destes serviços o edifício dispunha de posto médico onde eram assistidos os pescadores e suas famílias, bem como de uma enfermaria para dar continuidade aos tratamentos que se impunham. 

Curiosamente era também a secretaria que funcionava no rés-do-chão daquele prédio que também servia como farmácia para a meia dúzia de diferentes tipos de comprimidos que os médicos de então frequentemente receitavam. 

Os comprimidos encontravam-se dentro de grandes frascos e dali eram retirados à unidade para serem embrulhados em papel pardo e servidos aos pacientes. 

Ainda hoje o edifício se mantém aberto ao público, agora sob a alçada da Segurança Social que ali procede ao serviço de juntas médicas.

Rui Canas Gaspar
2017-junho-04

www.troineiro.blogspot.com

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