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quarta-feira, 25 de março de 2015

A solidariedade entre as gentes do mar setubalenses

A Capela do Senhor Jesus do Bonfim encontrava-se silenciosa. O seu interior, sem ninguém, estava iluminado pela bruxuleante luz de algumas poucas velas de cera que iam queimando lentamente quando a família ali entrou.

A jovem senhora retirou o braço que a ligava ao esposo e, da sua mala de mão, tirou a carteira de onde puxou uma nota de vinte escudos. Dobrou-a cuidadosamente em quatro partes e entregou-a à criança que com a sua alva mãozinha a segurou firmemente.

Seguidamente rodearam o altar-mor subiram alguns degraus e o menino depositou a generosa oferenda naquela caixa metálica, com uma ranhura, que se encontrava na parte traseira da base da imagem que os homens do mar setubalenses eram fieis devotos.

Não se tratava de cumprir uma normal promessa como habitualmente as pessoas do Bairro de Troino costumavam fazer quando lhes era concedida uma qualquer graça ou aquilo que consideravam um milagre.

Neste caso, a família estava ali para agradecer por no mês anterior a “Truta” o barco onde o jovem pescador estava embarcado, ter feito uma excecional pescaria e, como tal, ele ter recebido de “quinzena” e de “peixe de fora” muito mais dinheiro do que era habitual.

O casal tinha poupado um conto de reis ou seja, mil escudos, e acordado que com todo aquele dinheiro deveria comprar um cordão de ouro. Uma segurança para quando chegasse o Inverno e os meses de defeso da pesca da sardinha tivessem um objeto de valor para poder empenhar em caso de necessidade.

O ouro era o refúgio das gentes do mar, a segurança possível de terem de comer naquele período de invernia quando os barcos não podiam fazer-se ao mar.

Os jovens tinham acordado comprar o cordão e, como agradecimento ao Senhor do Bonfim pela boa pescaria, o dinheiro que sobrasse dos mil escudos poupados seria entregue como dádiva e depositado na caixa das esmolas da sua capela.

A gratidão não era palavra vã para esta humilde família de pescadores, como também não o era a solidariedade. Nunca tiveram necessidade de empenhar o precioso cordão de ouro para terem o necessário para as suas necessidades. O mesmo não aconteceu com uma família amiga e vizinha do Bairro de Troino onde nasceram e residiam.

Nessa altura crítica o cordão foi emprestado, sem qualquer contrapartida e, a família necessitada empenhou-o recebendo o dinheiro necessário para se governar no decurso naquele período difícil.

Mais tarde ganhou o suficiente, foi desempenhar o precioso cordão e devolveu-o ao jovem casal.

Era assim a vida naqueles tempos difíceis, passados que foram meia dúzia de décadas. Um período onde a gratidão a generosidade e a solidariedade entre amigos e vizinhos não era palavra vã, naquele Bairro de Troino onde nasci e aprendi a dar valor ao que tem realmente valor.

Rui Canas Gaspar
2015-março-25

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