notícias, pensamentos, fotografias e comentários de um troineiro

sábado, 15 de março de 2014

Namorados troineiros

Eles residiam em Troino e, foi aí, naquele antigo e típico bairro setubalense, habitado maioritariamente por gente do mar que se conheceram quando ela pouco mais tinha que quinze aninhos e ele apenas mais dois.

Depois de muitos meses de namoro o jovem par decidiu registar para a posteridade o seu amor. Para isso, ele colocou de parte algum dinheiro conseguido com as suas pescarias, vestiu a sua melhor roupa e conjuntamente com a sua amada deslocaram-se ao retratista que registaria aquele bonito momento.

Ela preparou o seu bonito vestido que habilidosamente costurara, a partir de um modelo que vira num daqueles bonitos figurinos que os bacalhoeiros traziam lá da Terra Nova, passou-o muito bem com o seu ferro aquecido a carvão, tratou de arranjar o cabelo e lá foram os dois até à baixa da cidade onde o fotografo os mandou entrar para o estúdio onde gravaria a imagem do jovem par.

Dias depois ela voltou de novo ao fotografo onde lhes foram entregues as fotos, bem bonitas por sinal. O estúdio tinha o cenário apropriado para momentos como este e tratou de colocar os namorados na posição que considerava adequada, dizendo ao rapaz que colocasse a mão no ombro da sua jovem namorada. Assim ficariam melhor, segundo o fotografo...

O apaixonado casal tinha agora a possibilidade de ter em seu poder uma bonita fotografia, a primeira e única que possuíam, num tempo em que eram raras as máquinas fotográficas e este tipo de registo era feito pelos profissionais em momentos muito especiais.

Muito contente a jovem correu para casa para mostrar as fotografias à sua mãe. O namorado que estava na pesca,  quando chegasse a terra teria então oportunidade de as ver.  

Apenas o fotografo ela e a mãe viram as fotos e a mãe ao olhar para aquela bonita imagem, ficou rubra de cólera e levantando a mão bofeteou a filha que ofendera a honra, ao deixar que um rapaz, mesmo sendo namorado, ousasse colocar a mão no seu ombro antes de serem casados.

De imediato todas as fotos foram confiscadas e para grande desgosto da jovem o seu amado que tinha tido a ousadia de colocar a mão em cima do seu ombro, não tinha agora a possibilidade de pôr a vista em cima das bonitas imagens.

A chorosa jovem ainda tentou nos dias seguintes descobrir onde a mãe tinha guardado as fotos de forma a poder mostrá-las ao seu amado, mas em vão, jamais as conseguiu encontrar, a despeito da casa onde residia não ser assim tão grande e os lugares para esconder aqueles registos serem poucos.

Dois anos depois o casamento acontecia, ela com os seus 19 anos e ele com 21 formavam agora o seu próprio lar.

Naquele dia de 1947 aconteceu um casamento bonito, com os noivos a deslocarem-se em "carro de praça" até à Igreja da Anunciada, acompanhados por alguns dos convidados. Um dia de festa no popular Bairro de Troino.

E foi apenas depois do padre ter abençoado o jovem casal que a mãe chegando junto da jovem noiva, lhe devolveu  as fotos tiradas uns anos antes, como prenda de casamento. Agora que já eram casados, o rapaz podia colocar a mão no ombro da sua amada!

Após a boda, o casal saiu para lua-de-mel. Foram passear a Lisboa, aquela distante cidade capital do seu país. e ao que parece foi por aquelas bandas que o rapaz teve oportunidade para mais alguma intimidade com a jovem noiva. Nove meses depois nascia o seu primeiro filho, eu!

Era assim naqueles tempos no Bairro de Troino, na primeira metade do século XX, num tempo  que o respeito e a honra não eram palavra vã e a “vergonha” era algo muito cara entre as nossas honradas gentes do mar.

Rui Canas Gaspar

2014-março-15

Sem comentários:

Enviar um comentário